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domingo, 15 de março de 2009

a carta da paixão (herberto helder)

In:
PHOTOMATON & VOX
Herberto Helder
Lisboa, Assírio & Alvim, 1995

Esta mão que escreve a ardente melancolia
da idade
é a mesma que se move entre as nascenças da cabeça,
que à imagem do mundo aberta de têmpora
a têmpora
ateia a sumptuosidade do coração. A demência lavra
a sua queimadura desde os seus recessos negros
onde se formam
as estações até ao cimo,
nas sedas que se escoam com a largura
fluvial
da luz e a espuma, ou da noite e as nebulosas
e o silêncio todo branco.
Os dedos.
A montanha desloca-se sobre o coração que se alumia: a língua
alumia-se: O mel escurece dentro da veia
jugular talhando
a garganta. Nesta mão que escreve afunda-se
a lua, e de alto a baixo, em tuas grutas
obscuras, essa lua
tece as ramas de um sangue mais salgado
e profundo. E o marfim amadurece na terra
como uma constelação. O dia leva-o, a noite
traz para junto da cabeça: essa raiz de osso
vivo. A idade que escrevo
escreve-se
num braço fincado em ti, uma veia
dentro
da tua árvore. Ou um filão ardido de ponto a ponta
da figura cavada
no espelho. Ou ainda a fenda
na fronte por onde começa a estrela animal.
Queima-te a espaçosa
desarrumação das imagens. E trabalha em ti
o suspiro do sangue curvo, um alimento
violento cheio
da luz entrançada na terra. As mãos carregam a força
desde a raiz
dos braços a força
manobra os dedos ao escrever da idade, uma labareda
fechada, a límpida
ferida que me atravessa desde essa tua leveza
sombria como uma dança até
ao poder com que te toco. A mudança. Nenhuma
estação é lenta quando te acrescentas na desordem, nenhum
astro
é tao feroz agarrando toda a cama. Os poros
do teu vestido.
As palavras que escrevo correndo
entre a limalha. A tua boca como um buraco luminoso,
arterial.
E o grande lugar anatómico em que pulsas como um lençol lavrado.
A paixão é voraz, o silêncio
alimenta-se
fixamente de mel envenenado. E eu escrevo-te
toda
no cometa que te envolve as ancas como um beijo.
Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que crescem
nos quartos.
É de ouro a paisagem que nasce: eu torço-a
entre os braços. E há roupas vivas, o imóvel
relâmpago das frutas. O incêndio atrás das noites corta
pelo meio
o abraço da nossa morte. Os fulcros das caras
um pouco loucas
engolfadas, entre as mãos sumptuosas.
A doçura mata.
A luz salta às golfadas.
A terra é alta.
Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões
da madeira fria. És uma faca cravada na minha
vida secreta. E como estrelas
duplas
consanguíneas, luzimos de um para o outro
nas trevas.

fonte: http://www.triplov.com/herberto_helder/carta/index.htm

para vosso deleite...com votos de boa semana.

T.C.

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antimáscara

Termo popularizado a partir do teatro de Ben Jonson (por exemplo, em Mercury Vindicated from the Alchemists at Court, 1616 — v. WWW), para uma técnica dramática que funciona como interlúdio num enredo, introduzindo um momento de grotesco durante o desfile sério das máscaras tradicionais. Quando precedia a representação da máscara, designava-se antemáscara. O desempenho da antimáscara está, no século XVII, associado a questões de estratificação social: os actores mascarados pertencem geralmente à nobreza e a aristocracia, são amadores, que participam no espectáculo teatral por razões lúdicas; os actores com antimáscaras pertencem às classes sociais mais desfavorecidas e são geralmente profissionais. O facto de a antimáscara ter uma função burlesca em relação à máscara convencional permite a comparação com as estratégias de simulação das sátiras gregas antigas. (http://www.levity.com/alchemy/jonson1.html)
Carlos Ceia, s.v. "antimáscara", E-Dicionário de Termos Literários, coord. de Carlos Ceia, ISBN: 989-20-0088-9

Posto isto, Antimáscara assume-se como um convite a dissertações, poemas, textos e demais dizeres que acharmos por bem, enquanto gente de bem.
E porque acontecem coisas, dentro e fora de nós, será ainda um espaço de divulgação, divagação, indignação...(qualquer coisa) que fará o caminho enquanto for caminhando, ao sabor do momento (que é um tempo muito acertado).

Bem-vindos então (ao que há-de ser).
T.C.