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sábado, 20 de dezembro de 2008

ALTERIDADE

Prof. Laurício Neumann

Depois de coisificar e destruir o outro em nós, produzimos um outro como diferença
Coisificar o outro significa coisificar a si próprio
Destruir o outro significa destruir a si próprio

Indiscutivelmente vivemos hoje no Brasil, na América Latina e no mundo a pior crise de identidade de todos os tempos. Esta crise revela uma profunda quebra de valores sobre o valor da vida e da pessoa humana, sobre os valores da dignidade humana e os direitos fundamentais da pessoa. Esta crise revela também uma distorção do conceito da vida, da pessoa humana, da sociedade e da organização da vida em sociedade.
Jean Beaudrillard, referindo-se a esta crise civilizacional de valores, no seu livro A cirurgia da Alteridade, O Crime Perfeito (1996), afirma que “A liquidação do Outro é duplicada por uma síntese artificial da alteridade, cirurgia estética radical, de que a do rosto e do corpo não é senão o sintoma. Porque o crime só é perfeito quando as próprias marcas da destruição do Outro desapareceram”.
Com a modernidade, continua Baudrillard, “entramos na era da produção do outro. Não se trata já de o matar, de o devorar, de o seduzir, de rivalizar com ele, de o amar ou odiar – trata-se em primeiro lugar de o produzir. Já não é um objeto de paixão, é um objeto de produção”.
Para entender melhor esta crise de valores fundamentais e de relações entre as pessoas, Baudrillard se pergunta, “Acaso não será que o Outro, na sua singularidade irredutível, se tornou perigoso ou insuportável, e seja preciso exorcizar-lhe a sedução? Acaso não será que, muito simplesmente, a alteridade e a relação dual desaparecem progressivamente com a ascensão em força dos valores individuais?”.
A reflexão de Baudrillard continua, “A verdade é que a alteridade vai faltando, e que é preciso absolutamente produzir o Outro como diferença, em lugar de viver a alteridade como destino. Isto é igualmente válido para o corpo, o sexo, a relação social. É para escapar ao mundo como destino, ao corpo como destino, ao sexo (e ao outro sexo) como destino, que se inventa a produção do Outro como diferença”.
Estes são os novos sinais dos tempos, sinais concretos e muito próximos, que mexem cada vez mais com a vida de cada um de nós. Pergunta-se, o que estes sinais dos tempos têm a ver com cada um de nós como profissional, cidadão e pessoa humana? Vamos tentar entender isso melhor.
As mudanças profundas e radicais e cada vez mais rápidas que a ciência e a técnica operam em todas as áreas do conhecimento, atingem também direta e profundamente o ser humano, nos seus valores, princípios norteadores, convicções e visão da vida, da pessoa humana e da sociedade.
Numa ótica, estas mudanças profundas e radicais que a ciência e a técnica operam na modernidade e na pós-modernidade, revelam um ser humano livre e capaz, que acredita cada vez mais na sua capacidade de criar, projetar, inventar e transformar. Prova disso é o avanço vertiginoso registrado em todas as áreas do conhecimento, que encurta distâncias, controla epidemias, prolonga a vida, facilita o trabalho, aumenta a produtividade, cria conforto, praticidade, etc.
Numa outra ótica, estas mudanças profundas e radicas que a ciência e a técnica operam, revelam o rosto de um ser humano que se proclama absoluto, um ser humano como centro e medida de todas as coisas. Revela também o rosto de um ser humano sem limites e, por isso, individualista, materialista, imediatista e consumista inconseqüente. As conseqüências disso são desastrosas na medida em que o ser humano rompe com Deus e se proclama absoluto; rompe com a natureza sem medir as conseqüências das suas ações de intervenção e destruição; rompe com a alteridade ou a subjetividade do próximo, na medida em que este é visto como um concorrente, portanto, um estorvo para os interesses individualistas; rompe consigo próprio, na medida em que o ser humano não aceita encontrar tempo para repensar seu projeto de vida, repensar seus valores, repensar seu conceito de vida e pessoa humana.
Além disso, o ser humano pós-moderno orienta sua vida pelo desejo e o prazer. O desejo é provocado e alimentado pelo mercado e estimulado pelos meios de comunicação de massa, principalmente a televisão e sempre associado ao prazer. Por isso, o indivíduo deseja possuir, comprar, consumir aquilo que dá prazer. Por isso, a felicidade deixou de ser um projeto de vida para transformar-se em consumo de prazer. E para que estes momentos de prazer sejam intensos e freqüentes é preciso romper com uma série de valores religiosos e morais, como respeito, fidelidade, honestidade, etc. A nova ordem estabelecida passou a ser esta: “É proibido proibir”. Como conseqüência, a autonomia dos indivíduos se transforma em individualismo, e os indivíduos se transformam em mercadoria, assim como a religião, Deus, a natureza, a água, etc. Tudo é transformado em mercadoria de compra, troca e uso. Quando não serve mais ou quando não dá mais prazer, descarta, joga fora.
Enquanto continuamos convencidos de que tudo deve ser submetido às ordens do mercado e de que tudo é mercadoria, inclusive as pessoas, então fica difícil enxergar uma saída ou traçar um plano de mudanças. Pois, nesta lógica em que tudo é submetido às ordens do mercado e tudo é considerado mercadoria, não pode haver gratuidade e sem gratuidade é impossível ser humano.
A gratuidade é a opção fundamental pelo outro, como centro de tudo, inclusive de sua própria vida. Pois, é a alteridade que constitui a subjetividade. Isso significa dizer que é o outro que permite eu ser. Por isso, o outro existe em mim, como eu existo no outro.
O que vimos na crise de valores do ser humano da pós-modernidade é a negação da alteridade, para justificar a afirmação do indivíduo e do mercado descartável. Trata-se de um processo cultural e educacional que começa muito cedo na família e se prolonga através da escola e dos meios de comunicação, principalmente da televisão e das revistas em quadrinhos, que ensinam as crianças a negar o outro, desenvolvendo a cultura do “eu” e não do “nós”. Por isso, aos poucos, as crianças se transformam em indivíduos individuailistas. Quanto mais negamos a subjetividade do outro, mais individualistas nos tornamos.
Negar a alteridade significa, na verdade, negar o outro em mim. Significa arrancar o outro de dentro de mim. A partir desse momento o outro deixa de ser sujeito para mim e passa a ser objeto. Negar a subjetividade do outro, para transformá-lo em objeto, significa negar a minha própria subjetividade, para transformar-me também em objeto. A partir desse momento a relação dos indivíduos deixa de ser uma relação de sujeitos (eu sujeito para com outro sujeito) para se tornar uma relação de objetos (eu objeto para com outro objeto).
Na prática, negando a sujetividade do outro, não negamos o outro em si, pois este interessa enquanto podemos transformá-lo em mercadoria e dele tirar proveito. E quando dele já não conseguimos tirar proveito o descartamos, o jogamos fora, o excluímos. Por isso, os milhões de brasileiros pobres da modernidade foram transformados em milhões de brasileiros pobres excluídos da pós-modernidade.
Desde modo, resgatando Baudrillard, liquidamos com o Outro, na medida em que matamos, destruímos ou negamos a subjetividade (a capacidade de ser sujeito, de ser pessoa) do outro, para produzir uma nova subjetividade, transformando o ser sujeito em ser objeto.

Fonte: http://professores.faccat.br/laumann

T.C.

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antimáscara

Termo popularizado a partir do teatro de Ben Jonson (por exemplo, em Mercury Vindicated from the Alchemists at Court, 1616 — v. WWW), para uma técnica dramática que funciona como interlúdio num enredo, introduzindo um momento de grotesco durante o desfile sério das máscaras tradicionais. Quando precedia a representação da máscara, designava-se antemáscara. O desempenho da antimáscara está, no século XVII, associado a questões de estratificação social: os actores mascarados pertencem geralmente à nobreza e a aristocracia, são amadores, que participam no espectáculo teatral por razões lúdicas; os actores com antimáscaras pertencem às classes sociais mais desfavorecidas e são geralmente profissionais. O facto de a antimáscara ter uma função burlesca em relação à máscara convencional permite a comparação com as estratégias de simulação das sátiras gregas antigas. (http://www.levity.com/alchemy/jonson1.html)
Carlos Ceia, s.v. "antimáscara", E-Dicionário de Termos Literários, coord. de Carlos Ceia, ISBN: 989-20-0088-9

Posto isto, Antimáscara assume-se como um convite a dissertações, poemas, textos e demais dizeres que acharmos por bem, enquanto gente de bem.
E porque acontecem coisas, dentro e fora de nós, será ainda um espaço de divulgação, divagação, indignação...(qualquer coisa) que fará o caminho enquanto for caminhando, ao sabor do momento (que é um tempo muito acertado).

Bem-vindos então (ao que há-de ser).
T.C.